Quantos
carros passam pela Capitão?
Em meio a uma polêmica envolvendo alteração
no curso da Capitão Heleodoro Mariano em seu início, houve uma fala do prefeito
que gerou críticas e memes na Internet: que passariam 3 mil carros pela rua
Capitão Heleodoro Mariano por dia.
Como professor de Matemática e conhecedor dessa cidade,
morador do número 966 dessa rua há 40 anos, posso afirmar: a estimativa é
respeitável.
Obviamente não dá para saber exatamente quantos carros
passam na rua, a menos que seja instalado um sistema de monitoramento, mas
cálculos assim não podem ser feitos em qualquer critério. Como professor eu
várias vezes desafiei os alunos a responderem coisas do tipo: “quantos grãos de
feijão tem nesse copo?”, “quantas linhas tem essa folha de caderno?”, “quantos
degraus tem aquela escada?”, “qual é a distância até sua casa?” – e noto que a
percepção do real número não é uma habilidade simples, ela precisa ser
construída.
Arriscar um determinado valor para uma contagem é chamado
estimativa. Existem ramos da matemática aplicada, da engenharia, da estatística
e da ciência estimando valores todas as horas. Há vários motivos para fazer uma
estimativa, e talvez o principal deles é a dificuldade ou custo para fazer
determinada contagem ou medição.
É bem comum divergência na contagem de pessoas. Quando a
banda Biquini Cavadão veio a Muzambinho em 2007 os números sobre as pessoas que
assistiram o show variaram de 5 mil a 40 mil. Na televisão costumamos ver números
segundo os organizadores e segundo a polícia militar.
Um emblemático exemplo foi o número de pessoas na Parada
Gay em São Paulo no ano de 2012, como 4.500.000 participantes segundo os
organizadores. A Polícia Militar estimou em 600.000. O Datafolha com
estimativas sérias calculou 220.000. Em 2015 foi mais impressionante a
discrepância, os organizadores contaram 2 milhões – a PM contou apenas 20 mil
pessoas! Note que em 2006 a Parada Gay entrou para o Guiness Book – o livro dos
recordes – como o maior evento de rua do mundo, com 2.500.000 participantes,
estimativa da Polícia Militar (próximo dos 3.000.000 estimados dos
organizadores). Como saber o número exato? Só colocando uma catraca no evento.
Sobre a Capitão eu explico os motivos que me levam a garantir
que a estimativa é boa. Primeiro, em 2005, um trabalho minucioso de estudantes,
parados por vários períodos no dia, na Salatiel de Almeida, na esquina do
antigo Bar Avenida, calculou 3.000 carros subindo aquela rua. Segundo, a
simples percepção do número de segundos em um dia, o fluxo calculado de ruas em
outras cidades e o número de carros em Muzambinho e é sobre isso que vou falar.
Número de segundos por dia: vamos supor que só
haja fluxo de carros na Rua Capitão por 18 horas por dia – o que chega num
número de 64.800 segundos. Bastaria que passasse na rua um carro a cada 21,6 segundos
– em média – e teríamos 3.000 carros como fluxo.
O prefeito falava sobre um trecho específico, mas eu vou
tratar a rua como um todo – e as conclusões são semelhantes.
Eu leciono na EE Prof. Salatiel de Almeida em salas de
aula cujas janelas são direcionadas para a rua Capitão: passo o dia todo em
salas de aula ouvindo o barulho dos carros. Em todas aulas que pedi para que os
alunos parassem 1 minuto para ouvir quantos carros passavam o fluxo era
superior a 4 carros por minuto. Durante o período da manhã observei de 4 a 10
veículos por minuto. No período da tarde foram de 5 a 9 veículos por minuto. No
período da noite, após as 21h, foram 4 e 5 veículos. Nenhuma contagem na hora de pico.
Parei
num sábado na porta da minha casa. Era cerca de 15h. Contei 38 carros em 5
minutos.
Supondo
a minha pior medição, temos 4 carros por minuto, o que seria um carro a cada 15
segundos, o que chega num resultado de 4.320 carros.
Refaçam
o teste! (Inclui todos veículos automotivos, incluindo motos, ônibus e
caminhões, o que é a minoria dos veículos).
Contagem de fluxo em ruas de outras cidades. Uma
busca na internet nos dá vários resultados. As avenidas centrais de capitais
como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília possuem fluxo de
260.000 a 500.000 carros por dia.
A ponte Rio-Niterói calculou 860.000 veículos no dia 12
de outubro de 2017. A Linha Amarela, também no Rio, atingiu sua capacidade
máxima no pedágio de 125 mil veículos por dia em 2015. O G1 estimou 450.000
carros passando na Marginal Pinheiros, em São Paulo, a cada dia, em 2018.
Uma tabela de fluxo das ruas centrais do Rio de Janeiro –
inclusive as vias locais, coletoras e arteriais – indica que nenhuma delas tem
fluxo inferior a 15.189 carros por dia. (Entenda que no Rio há opções mais
rápidas, que deixam essas ruas vicinais sem tanto fluxo). Baixe a tabela no
Google em “Volume das principais vias do Rio de Janeiro”. O fluxo na Avenida
Brasil, no km 4,2, era de 209.028 carros por dia.
O número de Muzambinho é bastante razoável.
Número de veículos em Muzambinho. Segundo o DENATRAN
haviam emplacados em Muzambinho 15.164 veículos automotores.
A Capitão é uma rua importante e movimentada. Mais de 40
linhas de ônibus passam diariamente por essa rua. Todo o transporte coletivo
municipal passa por lá, diversas vezes por dia. As peruas escolares estão todos
os dias levando e buscando alunos passando por aquela rua no mínimo 4 vezes por
dia.
Suponha que você use a rua como trajeto ao trabalho –
como se trata de uma rua de mão dupla – é possível que você passe por lá no
mínimo 4 vezes por dia (considerando que você almoça em casa). Some-se a isso
mães levando filhos para a escola e retornando, pessoas quem vem para
Muzambinho fazer compras ou ir em agências bancárias, pessoas que trabalham em
Muzambinho e moram fora – todos eles passando em média duas vezes por dia na
rua.
Considerando que cada pessoa passa em média por dia 2
vezes na Capitão Heleodoro, e que 10% dos veículos que passam pela rua são de
pessoas que não possuem carros emplacados no município, bastaria que 8,9% dos
carros do municípios circulassem pela rua diariamente – o que me parece
bastante razoável.
Matemática não é a coisa mais fácil do mundo, mas a
estimativa da prefeitura é muito boa! Para saber o número exato, só com catracas - mas o cálculo não é absurdo. Longe disso!
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